sexta-feira, 3 de junho de 2011

Capítulo 2 - Mãe Tetéia da Encruza


O céu estava azul e nuvens douradas flutuavam nele. Ela estava com Analice. A amiga lhe sorria. Já tinham estado ali, mas agora Bianca tinha uma estranha sensação de que apenas ela percebia o estranho déja vu. Havia diferenças. Apesar de saber tudo o que ia acontecer, não conseguia agir de maneira diferente. Tudo também parecia mais iluminado e belo.

– Das suas maluquices, essa foi a mais legal, sabia?

Analice sorria com o balão azul nas mãos. Bianca olhou para o balão vermelho na sua. Lembrava-se perfeitamente desse dia. Depois de ler um livro sobre fadas, Bianca resolveu chamar Analice, sua parceira de crimes, para fazerem um pedido para os elementais do ar. Convenceram os pais de Bianca e fizeram um piquenique em um lugar bonito, embora difícil de chegar. Era uma montanha alta e verdejante com ar puro e silêncio, um lugar puro e leve, ideal para o que queriam fazer. Levaram papel amarelo e canetas coloridas e passaram algumas horas discutindo sobre o que deveriam pedir. No final, decidiram que o melhor era cada uma fazer seu próprio pedido e pronto. Bianca era curiosa e claro que tentou esticar a cabeça para ver o que a amiga havia escrito, mas esta logo enrolou o papel na fita amarela e amarrou na linha de seu balão azul.

– Pediu? – perguntou Analice, que gostava de usar um chapéu diferente ou um adorno na cabeça. Naquele dia, era um chapéu com flores que a protegia do sol, diferente dos lenços negros de bucaneiro que costumava usar na escola.

Bianca amarrou seu pedido e as duas ficaram de pé no topo da montanha. A alguns metros, os pais de Bianca aguardavam em volta da toalha repleta de guloseimas.

– Você não acha que é perigoso deixarmos que ela experimente essas coisas? – perguntou seu pai.

– Que mal pode haver? São meninas, gostam de acreditar em outros mundos. São apenas brincadeiras...

Eles ficaram alguns instantes em silêncio. Então seu pai pareceu ficar sério, como se lembrasse de algo muito grave.

– Foi uma brincadeira que levou você a outro mundo... – disse ele.

Sua mãe olhou-o com os longos cabelos sedosos sendo penteados pelo vento.

– O outro mundo me trouxe você – respondeu ela com um sorriso.

– O outro mundo quase a matou... – respondeu ele.

Sua mãe ficou mais séria. Então simplesmente se inclinou e o beijou.

– A vida sem você seria um tipo triste de morte. Não se preocupe, querido. Sua filha é esperta, sabe se manter longe de problemas, neste ou em outros mundos. Puxou a mãe!

– E então? Vamos? – perguntou Analice.


Bianca voltou a olhar para o balão vermelho em suas mãos. Contemplou a amiga que, de olhos fechados, formalizava o pedido. Então, Bianca fez o mesmo. Pensou em seu desejo e sentiu uma onda de euforia a invadir. Soltaram os balões que flutuaram para o céu azul carregando seus papéis amarelos. Riram, felizes com a sensação de serem atendidas por seres mágicos de uma terra distante, com castelos nas nuvens e colinas encantadas. Um vento mais forte levou o chapéu com flores de Analice e as duas meninas correram para buscá-lo, rindo e brincando na relva verde.



Abriu os olhos ainda ouvindo os risos e sentindo a felicidade tranqüila daquele dia.

– Aquele foi um dia perfeito... – murmurou.

Ainda com a cabeça no travesseiro, suspirou profundamente. Sim, tinha sido um dia perfeito. Reunira naquele piquenique as pessoas que mais amava no mundo e juntos contaram piadas, riram e comeram bolo. Analice esteve presente em sua vida no último ano com tal intensidade que parecia estarem juntas a vida inteira. Lera num livro que talvez fossem almas antigas que se reencontraram e se reconheceram.

Levantou-se desanimada para enfrentar sua segunda-feira. Por que sonhara com aquele dia em especial? Tiveram outros dias perfeitos. Que tipo de jogo cruel o Mestre dos Sonhos lhe fizera? Por que fazê-la sonhar com tudo o que não podia mais ter?

Sentiu os olhos se encherem d’água, mas engoliu o choro. Não ia começar seu dia chorando, era muito vergonhoso. Saiu do quarto em silêncio e ouviu uma conversa na cozinha. Apurou os ouvidos, procurando saber se era alguma notícia da amiga.

– Sabe que nunca gostei dela se envolvendo com essas coisas! – dizia seu pai, aborrecido.

– Não sabemos se foi isso... – respondeu sua mãe. – E como íamos saber? Eram apenas brincadeiras de meninas!

– Foi uma brincadeira que levou você a outro mundo... – disse ele.

Bianca, encostada na parede, lembrou da cena do sonho que acabara de ter.

– O outro mundo me trouxe você – respondeu sua mãe, tocando levemente a mão de seu pai sobre a mesa.

– O outro mundo quase a matou... – respondeu ele.

Cacau latiu, denunciando a presença de Bianca, que, não tendo mais como se esconder, apareceu.

– Do que estavam falando? – perguntou.

– Está ouvindo atrás das paredes agora? – ralhou seu pai.

– Não, vocês é que estavam falando atrás das paredes! – respondeu ela.

Cacau latiu de novo. O latido de Cacau, uma vira-latas marrom de rabo enrolado, era alto e estridente. O suficiente para dispersar qualquer conversa.

– Venha tomar seu café, Bianca – chamou sua mãe.

A menina sentou-se à mesa e pegou seu pão, enquanto a mãe lhe servia o café com leite.

– Do que estavam falando? – voltou a perguntar.

– De nada, meu anjo... – respondeu seu pai, pegando sua maleta e se levantando. – Bem, preciso ir, meus alunos terão prova hoje. Me ligue se tiver qualquer notícia. Voltarei assim que puder.

Beijou a filha na testa e a esposa nos lábios e saiu.

Ficaram em silêncio por algum tempo.

– Preciso ir à escola hoje? – perguntou Bianca.

– Não... – respondeu sua mãe. – Se não quiser, não precisa. Descanse hoje.

Descansar... Isso até que seria bom, pois se sentia muito exausta ainda. Levara uma surra emocional que a deixara fisicamente exausta. Mas havia muito a fazer para sequer pensar em gastar um dia descansando. Precisava começar sua investigação e encontrar Analice.


Naquele dia, sua mãe não fora trabalhar. Era restauradora de livros antigos e tinha um horário flexível. Seu pai ensinava história francesa na universidade. Não era à toa que viviam cercados de livros por todos os lados. Bianca se sentia mais segura em ter a mãe em casa e ficou feliz de saber que ela estaria na sala ao lado, caso algo acontecesse. Pegou o livro negro que ela e Analice compraram e o observou com cuidado. Sua capa trazia uma cara demoníaca num gargalhada que quase podia ser ouvida. Era, evidentemente, um chamariz. O livro, em si, não trazia nada demais, além de casos sobre comunicação com outros mundos. Era um livro de “causos”, como dizia seu tio Marcos. Passou a tarde lendo-o, acreditando que teria alguma informação sobre o poder real do tabuleiro oui-ja. Talvez aquele fosse um livro mágico. Ouvira muitas histórias de amigas suas que haviam encontrado um determinado livrinho de magia wicca de maneiras impossíveis. Sua mãe acreditava que livros escolhiam as pessoas, convidados especiais para seus mundos. Leu o livro até a metade, acreditando que ele fosse especial, que ele fosse afinal um “convite”.

Três horas depois, fechou o livro impaciente. Era, definitivamente, um livro de “causos” e nada mais. Lançou o olhar para o tabuleiro oui-ja, encostado atrás de outros livros. Pegou-o para analisar melhor. Diferente dos tabuleiros que já vira em filmes, este não era de madeira, mas de papelão. Coberto por papel brilhante, trazia letras coloridas e a representação do Sol e da Lua, além dos habituais “SIM”, “NÃO” e “TALVEZ”. Também tinha as letras do alfabeto e números. O máximo que conseguiu descobrir sobre ele no livro era que o tabuleiro podia abrir portais. “Mas portais pra onde?”, pensou. “Para o reino dos mortos, claro!”. A idéia de que Analice havia caído no mundo dos fantasmas a apavorou. Passou o dia pesquisando sobre mortais que foram ao submundo, como Perséfone e Deméter. No fim do dia, alugou Pierce Jackson e o Ladrão de Raios.

Foi dormir tarde, infeliz em não ter tido nenhuma notícia do aparecimento de Analice. “As buscas continuam”, era só o que ouvia. Sua mente vagava entre as possibilidades. Fechou os olhos e se concentrou para fazer um pedido especial.

– Anjos, eu lhes peço que, por favor, me ajudem a encontrar minha amiga. Mandem direções, pistas, qualquer coisa! Seguirei as pistas que aparecerem e sei que me ajudarão a encontrá-la sã e salva!


Não conseguiu fugir da escola na terça-feira. Sua mãe, na verdade, achou que ir para a aula a distrairia de toda aquela situação. Todos estavam preocupados com a menina desaparecida e o caso já chegara à televisão. Sua foto estava estampada em cartazes espalhados pela cidade e, até o momento, nenhuma pista. Parecia que ela tinha desaparecido no ar.

Bianca foi para a escola, mas não exatamente para a aula. Meteu-se na biblioteca nas duas primeiras aulas. Na terceira, fugiu. Na biblioteca, encontrou muitas informações sobre o céu e o inferno. Nenhuma realmente útil. Para ir para qualquer um deles, precisaria morrer, e ela, definitivamente, não queria morrer. Continuava pedindo, enquanto andava pela calçada, que lhe mandassem uma pista. Era do que precisava. Uma pista, somente uma pista.

Foi quando um papel surgiu na sua mão. Não, ele não apareceu magicamente. Um garoto o entregara enquanto ela passava distraída. Olhou para o papel, que dizia:

“Mãe Tetéia da Encruza
Trago a pessoa amada de volta em três dias, viva ou morta!
Resolvo qualquer problema, tiro nome do SPC e renovo carteira de habilitação”

Abaixo, um endereço para uma consulta grátis. Bianca olhou para cima.

– Isso não pode ser sério...

Sabe quando não conseguimos encontrar nossas chaves? Nós começamos a procurar pelos lugares habituais. Quando não encontramos, começamos a procurar pelos lugares improváveis. Se o desespero bater, partimos para os lugares impossíveis, como dentro da geladeira ou na gaveta do banheiro. Bianca estava investigando há apenas um dia, mas continuava sem a menor idéia de onde procurar ou do que fazer. Achou que o panfleto era mesmo uma pista dos anjos atendendo ao seu pedido. E quem somos nós para dizer o contrário?


Não se sentia bem mentindo. Sua mãe achava que ela ainda estava na escola. Estava, no entanto, em uma casa humilde numa rua onde nunca esteve. Estava insegura e preocupada. E se ela sumisse ali? Como é que alguém ia saber de seu paradeiro? Estava sentada num banquinho de madeira esperando a médium chamá-la, quando o bom senso a atingiu como uma martelada e ela se levantou para ir embora. Nesse exato momento, a Mãe Tetéia da Encruza surgiu, totalmente paramentada, com uma saia cigana cheia de lenços e flores artificiais no cabelo, despedindo-se de uma mulher que saía animada.

– Aguarde que ele vai voltar, viu, minha filha! Mãe Tetéia não falha!

– Obrigada, Mãe Tetéia! Que Deus a ilumine!

A mulher foi embora e Mãe Tetéia olhou para a menina sentada no banco de madeira.

– Essas mulheres... – disse. – Cismam que querem esses trastes e fazem tudo pra conseguir, quando estariam tão melhores sozinhas!... Mas fazer o quê, né? Eu só trabalho aqui! Se ela quer o bolha, então a gente traz o bolha de volta pra ela... Pode vir minha filha, pode vir que Mãe Tetéia vai te atender agora.

Bianca levantou-se insegura e seguiu a mulher. Entraram num quartinho decorado com muitas imagens. Imagens demais. Tinha Iemanjá, Nossa Senhora de Aparecida, um quadrinho com uma prece irlandesa, uma imagem de Saint Germain e mais um monte de coisas que Bianca nem reconheceu. Diante dela, uma peneira com búzios cercada por colares de contas coloridas.

– Muito bem, minha filha? Qual o seu problema?

– Estou procurando uma pessoa...

– AH, claro! – a mulher jogou os búzios na peneira. – Uma menina na sua idade tem mesmo é que procurar um namorado! Mas tome cuidado, minha filha, porque namorar é bom, mas não pode atrapalhar os estudos! O importante é estudar e ter emprego bom! Cada coisa tem sua hora, não namora demais, não, ou vai dar muito trabalho pro seu pai e sua mãe! Mas deixa eu ver... Tem um rapaz no seu caminho, minha filha! Ele vai aparecer pra você! Vai sentar do seu lado! E ele vai estar segurando uma caneta vermelha... E ele virá de muito longe só pra encontrar com você! Acho que ele é piloto, porque ele costumava voar muito... Mas pra ficar com você, ele vai ficar no chão por um tempo. Viu que bonito, minha filha? São Dez Reais a consulta.

Bianca deu um longo suspiro... “Bem-feito”, pensou para si mesma. Pegou o dinheiro do lanche e entregou para a mulher. Levantou-se para ir embora e, quando estava na porta, Mãe Tetéia a chamou novamente.

– Ô, menina!

Bianca a olhou sem muito interesse. A mulher olhava atentamente os búzios na peneira como se assistisse a um final de jogo.

– A amiga que você procura não está onde você acha que ela está.

Bianca arregalou os olhos.

– É... Não está, não... – a mulher confirmou. – Ela não está no mundo dos mortos.

– Ela está viva? Ela está bem? – Bianca deu um passo em sua direção novamente.

– Não sei lhe dizer se ela está bem... Mas posso lhe dizer que ela não está morta!


Naquela noite, Bianca não conseguiu dormir. As palavras de Mãe Tetéia ainda a perseguiam... Mas será que ela sabia mesmo do que estava falando? Infelizmente, Mãe Tetéia não pôde mais dizer nada sobre sua amiga. Só lhe disse isso. Ela não estava no Reino dos Mortos. E ela estava viva. Considerando isso, talvez Analice tivesse realmente saído correndo e estivesse em algum lugar no mundo delas. Seu pai lhe garantia que ela não tinha ido para outro mundo. Todos a estavam procurando neste mundo. A idéia de procurá-la em outro era absurda. E se estivessem todos certos? E se Analice não tivesse ido para mundo nenhum? E se a ventania tivesse sido apenas uma ventania? E se tudo não passasse de... coisas da sua cabeça?

Foi até a janela e olhou para o céu. A Lua tinha um sorriso aberto entre as estrelas.

– Mais pistas, gente... – murmurou ela. – Mais pistas...


6 comentários:

  1. Amei o segundo capítulo, vou comprar este livro o mais breve possível você está de parabéns eddie, eu agora, estou louca de curiosidade para terminar de le-lo é incrível!
    leticiacaliel

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  2. Eu adorei esse livro realmente,pelo que eu li aqui,esse livro é o detonador realmente.Vou comprar que eu estou curioso pra saber o que vai acontecer.Parabéns Eddie,bjão.

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  3. TOTALMENTE ENVOLVENTE !!!! quero logo meu exemplar antes que esgote...rsss beijOMMM imenso querida Eddie de Branca Helena Devi Maitre

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  4. Lua das fadas e o trono sem rei foram os melhores livros que já li em toda a minha vida ... By: Karen Burnik, Quem quiser contato: https://www.facebook.com/karen.burnik

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  5. muito bom lua das fadas
    gostei muito do livro

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  6. Gente recomendo muito vocês vão se surpreender ainda mais com o contexto da história!!! Eles podiam fazer o filme tipo Percy Jackson

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